Por conseguinte, se bem entendo, neste momento os adeptos do Não defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde não legalmente autorizado.
Só uma palavrinha nos separa, e ela é precisamente a palavra "não".
João Pinto e Castro, in Sim no Referendo
1 comentário:
Sobre a aclamada terceira via da Rosário Carneiro e agora de uns quantos juristas de direita, e que envolve um joguete conceptual com a suspensão provisória do processo, direi apenas que se trata de um verdadeiro disparate! Visa, neste último caso, em exclusivo, afastar o eleitorado das mesas de voto, baralhando-os, e dando a entender que a questão da sujeição das mulheres a um julgamento e ao aborto clandestino é resolvida com recurso a esta figura processual. Oh meus amigos! A suspensão provisória do processo implica que exista um inquérito! E que aquele comportamento continue ilegal, logo atirado para o vão de escada. Necessariamente, todo o peso do sistema formal de aplicação da Justiça far-se-á sentir junto da mulher. Quem tem a obrigação de instruir um inquérito vai, de futuro, ficar muito baralhado – a sociedade sustenta o julgamento das mulheres, e atribui ao Estado a obrigação de investigar com aquele fim, ou, pelo contrário, atribuindo essa obrigação, dispensa-as de julgamento? Então, perguntar-se-á: para quê existir inquérito?? Que finalidade é que serve? Afasta este joguete conceptual a chaga do aborto clandestino? Não! Trata-se da mais pura das mistificações...
Sobre o que se passa, “agora a sério”, diria que há aqui uma conjugação assustadora de factores que contribuíram para esta campanha absurda, desinformada, de confusão instalada, da mais escandalosa falta de vergonha: 1) o referendo de 1998; 2) a influência da Igreja Católica e de estruturas associadas, como a Opus Dei; 3) aproveitamento político do P.S.D. que ao colarem-se a soluções ridículas de Não sob compromisso, o que realmente pretendem é manter a abstenção como a regra, e criar um embaraço político para o Governo.
O referendo de 1998 foi uma oportunidade perdida na democracia portuguesa. Não teve na sua génese um verdadeiro impulso democrata, mas apenas desconfiança, por um lado, e cobardia, por outro. Houvesse força e vontade para impulsionar a mudança, e ela teria já ocorrido sem recurso ao instituto. Foi de tal modo perdida a oportunidade, que o resultado não foi vinculativo. Também porque não tendo havido verdadeira campanha pelo Sim, que envolvesse mais actores políticos, perdeu-se ânimo e desenvoltura. Deu também campo aberto ao Não, para se instalar com experimentalismo e seduções várias.
A influência da I.G. e associados é um sinal visível. O próprio discurso veiculado por muitos – não direi todos – os apoiantes do Não é manifestamente dominado pela moralidade e mundividência cristãs. Faz-lhes confusão aquela coisa do “ser por quem ninguém fala”, assim como lhes faz muita confusão a expressão “por opção da mulher”. Não vou dizer que essa confusão não seja legítima, porque assim a julgo. Mas demonstram, com esta campanha, que estão dispostos a recorrer a todos os instrumentos de manipulação e chantagem junto de uma população, em grande parte, católica, para conseguirem os seus intentos políticos, de conformação da ordem jurídica. Tivessem a força necessária – sabem que presentemente não a têm – e estariam em campanha para revogar a presente lei, assim preservando por via da lei, o que julgam ser a maternidade e a sexualidade.
O aproveitamento político do P.S.D. é, talvez, a maior vergonha de todas. Visivelmente, é intenção do Partido limitar o Governo o mais possível, para depois virem a correr pedir os dividendos. Por isso, ao invés de contribuírem para a discussão, andam apenas a baralhá-la.
Não nos esqueçamos que as coisas correm a velocidades diferentes. Uma campanha, e o que resulta de todo este mediatismo, nem sempre vai de encontro a uma posição, ou uma tendência. Pode, isso sim, forçá-la. O mecanismo do medo é muito bom nisso. Se o introduzirmos, qual é a reacção de muitos? É de defesa. E não tenhamos dúvidas. Neste campo, o medo é do Não.
Como esta campanha me tem abalado a serenidade...
C.R.
Enviar um comentário