domingo, abril 27, 2014


rilke: o último poema

sejas por fim a última, tu, como
dor incurável no corpo assim tecido:
na alma ardia e vê que me consumo
em ti; de há muito havia resistido
a lenha às chamas em que te devoras,
mas hoje me alimento e ardo em ti.
meu brando ser em teu irar pioras,
fazendo-o ira do inferno e não daqui.
puro, em descuido, e do porvir liberto,
subi à turva pira do sofrer,
de não comprar quaisquer futuros certo,
no coração, de carga a emudecer.
sou esse a arder desfigurado assim?
lembranças não me invadam mais agora.
ó vida, vida: estar lá fora.
em chamas vou. ninguém saiba de mim

Vasco Graça Moura, Poemas com Pessoas


[também há coisas assim. de não haver simpatias (para usar um eufemismo), de nem se gostar da escrita. de ter um livro parado tanto tempo na estante e de repente este poema assim. já foi há tantos anos tudo isto e poema salta logo assim. ironia das ironias, o poema voltar a ser aplicável em pleno. que poema. que ironia tudo isto. rip.]
      

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