quarta-feira, março 21, 2012

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Meu pai escrevia livros académicos. Sempre invejara a liberdade de romancista que eu tinha para escrever como quisesse, directamente da minha cabeça para a página, sem ficar confinado por todo o tipo de busca e pesquisa prévia, sem me achar oprimido pela obrigação de me familiarizar com toda a informação existente naquele campo, sem me sentir atrelado ao jugo de comparar fontes, fornecer provas, verificar citações e instalar notas de rodapé: livre como um passarinho. Você tem vontade de escrever “Shmuel ama Tsila”? Simplesmente siga adiante e escreva. Quer escrever “mas Tsila ama Gilbert”? Vá em frente. Deseja acrescentar “no entanto, Shmuel e Gilbert amam um ao outro”? Quem pode desmenti-lo? Quem pode aparecer e desafiá-lo com informações contraditórias ou com fontes que você talvez não tenha consultado?
Eu, por outro lado, nutria certa inveja de meu pai. A cada vez que ele se sentava para trabalhar num ensaio académico, sua mesa ficava tomada, de ponta a ponta, por livros abertos, separatas, referências, léxicos, uma bateria de artilharia de apoio. Ele jamais tinha que se sentar, como eu faço, e encarar uma única e zombeteira página em branco no meio de uma mesa árida, como uma cratera na face da lua.

Amós Oz, E a história começa. Tradução de Adriana Lisboa.


[do síto do costume, claro está]

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