domingo, março 14, 2010

Para uma teoria do retrato

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I
Retratos. Não costumo fazer muitos, por timidez, acho, mas gostaria de os fazer. Acontece-me por vezes ver alguém passar na rua e imaginar
- Desculpe, posso tirar-lhe um retrato? É que tem uma cara lindíssima e gostaria de o/a fotografar!
Por razões óbvias(?) nunca o fiz. Às vezes juro, em relação a determinadas pessoas, que é desta que lhes vou pedir. (So far, em vão.)

II
No outro dia dei por mim fechada numa sala de reuniões. Grupo grande, assuntos esotéricos, a máquina ao meu lado. A sala estava disposta em quadrado e foi uma festa. Tirei retrato sobre retrato (com a 55-250mm é o delírio), fui adorando algumas das caras à minha volta. Tudo isto sem os próprios repararem - de barriga cheia.
Dias depois, após postas as fotos na internet, veio a reacção dos retratados.
Diz-me uma amiga (lindíssima, que me fartei de fotografar):

-Adorei o teu retrato, sabes? É que não é muito comum fotografarem-nos enquanto estamos a pensar, e isso num certo sentido é uma altura muito íntima...


III
Peguemos então no tema: intimidade.
Um retrato pode ser uma coisa íntima. Mas confesso que na maioria deles, em especial nos retratos sorridentes, nem sempre vejo uma coisa assim.

Há uns meses, um grande amigo casou-se. Uma das fotos (ou a foto) do casamento foi um retrato dele, ainda na fase solteiro, em que aparece de olhos fechados.
Nunca tinha pensado nisso até então. Mas não, um retrato de olhos fechados pode não ser um retrato ao lado. Naquele caso, o retrato de olhos fechados é o retrato, a foto mais íntima e das mais bonitas que vi.
Talvez pela introspecção, pelo silêncio, pela intimidade consigo próprio - e nos olhos fechados uma certa recusa do público, de quem está a olhar. Naquele retrato é só ele - e não há nada mais íntimo do que isso.


IV
Na 6.ª feira acho que me lembrei de tudo isto de repente.
Foi no meio de um teste à máquina ou a mostrar como se faz, e tirei um retrato à pessoa a quem explicava.
Pensei então que quero fazer um retrato assim: um retrato de olhos fechados onde não se veja mais do que quem está. E isso é a prova última de um retrato na intimidade.
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