sábado, fevereiro 20, 2010

Porque o que importa...

...
Tenho uma aluna que tem cancro - e fez questão de o anunciar na aula, alto e bom som. Ora toma.
Talvez se arranje de forma um pouco extravagante - mas eu percebo. Quem tem cancro não sabe se conta com o dia seguinte, e após múltiplas sessões de quimio ou radio, tem de fazer-se de tudo para lidar com a auto-estima.
Numa aula falou da doença à queima-roupa. Eu senti o baque (como não), mas não desarmei. -Ai é? Vai correr bem, vai ver!

Depois, nos icebreakers que gosto de fazer - "Uma boa notícia que tenham tido ultimamente", veio:
-Após dois anos venci um cancro!
Entre engolir em seco e tentar disfarçar, dei-lhe os parabéns.

De início vinha de lenço. Depois anunciou: -Vou passar a trazer a minha peruca!
Depois veio de peruca, bem gira. Mais uma vez, impossível não notar a mudança de visual - e elogiar, pois claro!
-E em breve já vou tirar, já vou andar com o meu cabelo!

Na última semana, outra mudança: apareceu de cabelo "rapado".
Cabelo ralo, bem curtinho - deve ter 1 ou 2cm no máximo. Mas, e apesar de ser de meia idade, ela anda assim. Quando cheguei e a vi (novo baque, toma lá) só pensei num elogio:
-Que gira! Parece a Sinéad O'Connor, lembram-se dela?
Respect.

A "gota de água" foi hoje. Diz a minha mãe que tem um recado para me dar.
A minha aluna manda dizer que foi ao médico, fez um exame e que está completamente "limpa". Pediu para me dizer isto, e também que sempre a ajudei muito e que fui um grande incentivo.

Eu calei, senti os pés levantar do chão e nem sei que mais.

Nunca achei que fizesse nada além do óbvio e fiquei mesmo "marcada" pela forma como ela sentiu tanto aquilo. Como diz a minha irmã, numa situação daquelas qualquer coisa serve para ajudar a "subir" - até umas simples palavras.
[E agora me lembro que foi mesmo isso que me disse a minha outra aluna que faz voluntariado no Hospital da Parede: -Eles sentem tanto, mas eu não faço nada, eu só falo com eles!]

E agora nem sei que dizer ou sentir, fiquei assim meio atordoada.
Por acaso nunca tinha aqui dito que adoro os meus alunos?
E, mais uma vez, relembrar Cesariny: "Porque o que importa..." - e há coisas que não têm preço.
...

7 comentários:

Nuno Serra disse...

Magnífico...

ana disse...

Bolas que até me vieram as lágrimas aos olhos...
É uma sensação extraordinária, não é?

Estás lá em regime de voluntariado?

puPupiTu disse...

agora fiquei com uma dorzinha no peito...

Elsa Serra disse...

que bonito, fiquei de nó na garganta e os olhos molhados, eu que já vivi uma situação idêntica (como doente) sei que basta um pequeno sorriso para a força crescer..."tudo" importa

Unknown disse...

Senti o meu coração apertar-se-me e ficar... pequenino.

GWB disse...

que post bom de ler. q bom q tudo correu bem e q bom q é quando se gosta de fazer uma coisa. em resumo: q bom q bom q bom

Kailyn disse...

Obrigada por partilhares.
É bom ler histórias destas, com finais felizes. Ajuda a manter a esperança! :)